Matipu
- Autodenominação
- Onde estão Quantos são
- MT 189 (Siasi/Sesai, 2020)
- Família linguística
- Karib
Os Matipu habitam a porção sul do Parque Indígena do Xingu, integrando a rede de trocas e cerimônias inter-societárias que envolve os dez povos da área cultural do Alto Xingu. Entre estes, o grupo possui ainda maior identificação com os outros grupos de língua Karib – Kalapalo, Kuikuro e Nahukuá –, com quem mantém relações privilegiadas de inter-casamentos e comércio. Nesta seção encontram-se algumas características peculiares dos Matipu. Informações gerais do modo de ser e da visão de mundo comum ao Alto Xingu estão na seção Parque Indígena do Xingu.
Impressões sobre os Matipu
No contato com os Matipu, chama a atenção sua risada alta, aberta ou solene; os gritos matinais dos homens na porta de frente das casas; o olhar complacente das mulheres em relação às traquinagens infantis; o jeito arrojado das crianças, sua liberdade e responsabilidade nos afazeres domésticos, e as mil brincadeiras que inventam com as folhas, madeiras, água e com os bichos os quais costumam imitar. Destaca-se também a adaptação particular que fazem das poucas e encardidas roupas de caraíba (brancos) que possuem, e o zelo com seus adornos finíssimos, como os colares de conchas alvos, que de tão bem cuidados parecem sempre novos.
O jeito de ser Matipu se mostra, ainda, na seriedade do preparo das cerimônias demarcadoras de identidade – como o ritual Iponhe de furação de orelhas dos adolescentes com descendência de chefia - aliada a um envolvimento prazeroso no cantar e dançar e na confecção dos adereços. Envolvimento que em certas datas rouba muitas horas da lida com a agricultura e a pesca, tanto que as mulheres chegam a reclamar dos homens pelo tempo que eles ficam na rede afinando seus instrumentos enquanto elas ralam a mandioca para o consumo diário de beiju.
Localização
Os Matipu habitavam uma única aldeia próxima à foz dos rios Kulisevo e Buriti, nas imediações de uma lagoa. Em 2002, foi feita uma nova aldeia, denominada Jagamü, também na região do rio Kurisevo, originada de uma dissidência política na aldeia tradicional, havendo agora duas aldeias Matipu [dados de 2003].
Alimentação e plantas medicinais
Matipu vivem basicamente da pesca e da horticultura e, ao contrário das aldeias maiores, grande parte dos moradores não tem acesso aos alimentos industrializados da cidade. Assim, consomem basicamente o peixe e a mandioca brava -; em forma de mingau ou beiju. Sendo que os peixes mais consumidos são, respectivamente, o tucunaré, a bicuda, a piranha, o piau, o penteado, o peixe cachorro, a pirarara e esporadicamente o mantrinchã. Eventualmente podem pescar o tracajá e seus ovos, ou caçar pássaros -; como o mutum e o jacu, além do macaco. Como tempero usam o homi -; pimenta pequena e forte para temperar peixe; e o sal de agahe -; planta da água com a qual se fabrica o "sal de índio".
Como remédio, usam as plantas Knamissuá para a cicatrização de cortes (raspa-se, amassa-se e coloca-se na ferida). Titirrerré para diarréia (cozinha-se e ingere-se). Já uhite, planta que fica na beira da lagoa, é considerado o "viagra" dos índios: "para homens terem boa saúde". Eles também possuem remédios feitos de raízes como husago, que é usado para fortalecer a pele logo após a escarificação. Há ainda ervas e eméticos que são dados aos adolescentes durante o complexo da reclusão para "ficarem fortes". Nota-se também a associação de remédios nativos com os farmacológicos da medicina dos brancos.
Cultura material
Uma das grandes especialidades do artesanato local é o colar de caramujos, cujo modelo masculino, em forma retangular, é fabricado exclusivamente pelos homens. Já o de formato redondo -; usado pelas mulheres e também como cinto masculino -; pode ser confeccionado por ambos os sexos.
Os bancos de madeira são peças confeccionadas pelos homens, onde esculpem pássaros, tracajás, jacarés e outros motivos. Os homens também confeccionam cocares, chocalhos (de sementes ou guizos) e colares (de caracol, dentes de animais, cascas de árvores e sementes); além das arranhadeiras, cestos e outros. Para confecção de canoas usam uma só peça de madeira, que por isso é chamada "canoa de pau furado".
Contam que antigamente era feita de casca de Jatobá, mas que hoje usam, principalmente, a Jacaraúba -; chamada pelos Matipu de Katsehü.
Cabe às mulheres a confecção das redes -; artesanato feminino por excelência; além de esteiras -; com motivos de animais (tracajá, jacaré, pássaros), pulseiras e colares -; de contas e sementes (como o tucum), mas principalmente de missangas. Para a confecção das redes usam corda de buriti e algodão, ambas plantadas na própria aldeia e fiadas pelas mulheres.
A dança e rituais intersocietários
A dança Matipu é a expressão por excelência de sua cosmologia e de seu jeito de ser, aparecendo no contexto cerimonial. Durante os rituais, pode-se dançar como se fosse um pássaro, ou imitar uma luta com outros povos, ou, ainda, agradar o espírito causador de uma doença. Em todos os casos essa mímese efetuada pela dança provoca transformações tanto na pessoa como na sociedade. É por isto que a dança aparece como parte integrante e indispensável da educação da pessoa Matipu. (informações sobre os rituais do Alto Xingu estão na página Parque Indígena do Xingu)
Esse grupo apresenta uma certa gravidade no seu jeito de dançar. Para eles, é um tema importante ser ou não ser convidado para participar de um ritual numa aldeia vizinha, já que isso implica em relações de poder e, ao mesmo tempo, de afinidade, amizade, sedução, rivalidade. Por isto tomam muito tempo na produção, no treino e no embelezamento dos corpos e mentes que serão exibidos nas festas.
O calendário de festas
As festas Matipu seguem critérios da estação seca e da estação chuvosa, sendo que é na primeira quando acontecem os principais ritos intertribais do Alto Xingu. A seguir, estão elencados os rituais mais representativos desse grupo, que ocorrem durante a estação seca:
Egitsu (kwarup em tupi): festa que congrega todas as aldeias do sistema alto-xinguano e é realizada em homenagem a mortos ilustres.
Hagaka (jawari em tupi): festa aludida como de origem trumai, que é feita como forma de "alterização" de um morto ilustre através de cantos, danças e jogos de dardos. A mitologia aruak e karib indica ser uma festa relacionada aos pássaros, principalmente o gavião, e às cobras, incluindo cobras voadoras.
Iponhe: trata-se da "Festa dos pássaros", segundo indica a mitologia; e também de furação de orelhas dos meninos que possuem as prerrogativas da chefia alto-xinguana; sendo ainda considerado um ritual de passagem para a vida adulta.
Itão Kuegu (Jamugikumalu em aruak e Yamuricumã em tupi): é uma festa feminina em que as mulheres ocupam ritualmente o poder público e o pátio da aldeia, ameaçando os homens que não cumprem seus deveres ou traem suas mulheres.
Os principais ritos da estação chuvosa são:
Duhe: Festa dos papagaios, mas também da coruja e do pacu. Pode ocorrer entre os meses de novembro a abril.
Kagutu: É o complexo de flautas sagradas alto-xinguanas, cuja festa não pode ser vista -; só ouvida -; peas mulheres; e que alude ao roubo de um objeto de poder. Trata-se de um rito ora intra, ora inter-tribal, em que as flautas são tocadas dentro da Casa dos Homens e depois ao redor da aldeia, enquanto as mulheres permanecem fechadas em suas casas, de costas para a fonte sonora.
Takuaga: É uma festa típica dos Karib xinguanos, embora eles próprios remetam a sua origem aos Bakairi. Nesta, cinco homens de parentesco consangüíneo tocam (e dançam) cinco flautas de tamanho e afinação diferentes representando respectivamente pai, mãe, dois filhos e avô. É uma festa que também pode ser solicitada pelo pajé à família de um doente.
Assim, os Matipu investem grande parte de sua vida social na preparação e participação dos ritos intra e inter-tribais, onde o canto, a dança e o mito corporificam um jeito de ser compartilhado e ao mesmo tempo, demarcador de identidades.
Fontes de informação
- GALVÃO, Eduardo. Diários do Xingu (1947-1967). In: GONÇALVES, Marco Antônio Teixeira (Org.). Diários de campo de Eduardo Galvão : Tenetehara, Kaioa e índios do Xingu. Rio de Janeiro : UFRJ, 1996. p. 249-381.
- VERAS, Karim Maria. A dança Matipu : corpos, movimentos e comportamentos no ritual xinguano. Florianópolis : UFSC, 2000. (Dissertação de Mestrado)
- WÜRKER, Estela (Org.). A saúde da nossa comunidade : povos Matipu, Kalapalo e Nahukua - Livro de Ciências-Saúde. São Paulo : ISA, 1999. 38 p.