De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Carlos Augusto Freire, 1994

Tupiniquim

Autodenominação
Onde estão Quantos são
ES 3278 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
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Os Tupiniquim são, entre inúmeros povos indígenas, dos mais citados e paradoxalmente mais desconhecidos no Brasil. Tupiniquim é sinônimo de nacional na língua corrente (antropologia tupiniquim, cinema tupiniquim etc.), mas o emprego do termo pouco ajuda a desvendar a realidade de um povo específico que luta pela sua sobrevivência. Afinal, quem são os Tupiniquim?

Nome e língua

Foto: Carlos Augusto Freire, 1994
Foto: Carlos Augusto Freire, 1994

A auto-denominação Tupiniquim, grafada ao longo dos anos de diferentes maneiras - Topinaquis, Tupinaquis, Tupinanquins, Tupiniquins - significa, conforme o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes, com apoio no historiador Varnhagen, "Tupi do lado, vizinho lateral", assim traduzindo a expressão Tupin-i-ki. O Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa de Silveira Bueno confirma: Tupinã-ki, "tribo colateral, o galho dos Tupi".

Falantes da língua Tupi litorânea, da família Tupi-Guarani, no passado, hoje os Tupiniquim usam apenas o português.

Localização

Os Tupiniquim habitam três Terras Indígenas no norte do Espírito Santo. Todas estas situam-se no município de Aracruz, próximas a essa cidade e também à de Santa Cruz e à Vila do Riacho.

A TI Tupiniquim e a TI Caieiras Velhas II, localizadas às margens do rio Piraquê-Açu, tem sua área composta por capoeiras, macegas, mata antlântica, o mangue do referido rio e áreas de cultivo.

A TI Comboios, às margens do rio de mesmo nome, tem quase toda a sua área ocupada pela capoeira (50%) e a mata de restinga (40%), pois, com o solo pobre e arenoso, o cultivo é mínimo.

Na Colônia, no Império e na República Velha

Foto: Carlos Augusto Freire, 1994
Foto: Carlos Augusto Freire, 1994

No século XVI, os Tupiniquim ocupavam uma faixa de terra situada entre Camamu, na Bahia, e o rio São Mateus (ou Cricaré), alcançando a Província do Espírito Santo. Esses índios também viviam na região do rio Piraquê-Açu, onde em 1556 foi fundada pelo jesuíta Afonso Brás a Aldeia Nova. Um surto de varíola, e a criação do Aldeamento dos Reis Magos, em 1580, explicam a decadência da Aldeia Nova, acelerada pelos ataques de formigas que destruíram as plantações dos índios. Os jesuítas e os grupos indígenas passaram a se concentrar em Reis Magos, que logo se tornou um aldeamento populoso onde, conforme Serafim Leite, na sua História da Companhia de Jesus no Brasil, os índios eram quase todos Tupinanquins. O aldeamento dos Reis Magos dará origem à Vila de Nova Almeida, e a Aldeia Nova, à Vila de Santa Cruz.

Foi em 1610 que o superior jesuíta da aldeia dos Reis Magos, Pe. João Martins, conseguiu para os índios uma sesmaria de seis léguas em quadra, conforme o mesmo Serafim Leite, cuja medição só ocorreu em 1760, quando, através do Termo de Concerto e Composição, os índios de Nova Almeida e os moradores da Freguesia da Serra estabeleceram os limites dos domínios em que mantinham posse, transformados, por Sentença, em medição e demarcação amigável. Abaixo da Sentença do Ministro que estabeleceu o acordo territorial, estava mencionado que não existia foreiro algum dentro das terras medidas e demarcadas. Essa Sentença diminuía os limites da Sesmaria, sendo confirmada por Alvará ainda em 1760. Até a época da Sentença, os jesuítas haviam aldeado mais de 3.000 índios em Nova Almeida. No final do século XVIII, o governador da Capitania do Espírito Santo descreveu essa Vila como composta majoritariamente por índios.

Quando viajou pelo Espírito Santo no início do século XIX, o naturalista Auguste de Saint-Hilaire soube que os índios de Nova Almeida possuíam um território inalienável, doado pelo governo português, e que se estendia até Comboios, ao norte.

Nesse século, os viajantes encontravam habitações isoladas ou pequenos povoados de índios civilizados na região entre o rio Doce e a Vila de Nova Almeida. Em 1860, o próprio Imperador D. Pedro II, visitando a região, manteve contato com uma índia Tupiniquim em Nova Almeida, e com outros índios de Santa Cruz e da foz do rio Sahy, não identificados no seu diário de viagem. Os Tupiniquim afirmam que, quando esteve em Santa Cruz, o Imperador teria ratificado a doação das terras da sesmaria.

O pintor Auguste François Biard retratou o modo de vida dos índios civilizados nas matas de Santa Cruz em meados do século XIX, descreveu os fazendeiros que exploravam madeira para exportação utilizando o trabalho dos índios e anotou a presença de famílias indígenas dispersas pela floresta, comercializando madeira e mantendo roçados de subsistência. Em 1877, o Núcleo de Colonização de Santa Cruz contava com 55 índios naturais da Província, dividindo o povoamento com imigrantes italianos.

Após sua criação, em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) transformou a região norte do Espírito Santo num de seus pólos de atuação. Aí o Inspetor do SPI Antonio Estigarríbia conheceu vários agrupamentos de índios civilizados de origem Tupi localizados no baixo rio Doce e no litoral próximo. Estigarríbia manteria contato com esses índios até 1919, enquanto seu sucessor, o Inspetor Samuel Lobo, encontraria nessa região, em 1924, alguns índios Tupiniquim.

No século XX: o sistema de índio

Os Tupiniquim reconheciam como ocupações mais de vinte localidades, entre aldeias constituídas por algumas casas vizinhas, lugares com poucas casas esparsas - a grande maioria - e locais onde havia se instalado apenas uma família. Foram identificadas pelos índios as localidades de Caieiras Velhas, Irajá, Pau-Brasil, Comboios - entre ocupações atuais -, e Amarelo, Olho d'Água, Guaxindiba, Porto da Lancha, Cantagalo, Araribá, Braço Morto, Areal, Sauê (ou Tombador), sertão e litoral do Gimuhúna, Piranema, Potiri, Sahy Pequeno, Batinga, Santa Joana e Córrego do Morcego - extintas.

A região em que viviam os Tupiniquim era de mata virgem antes da exploração madeireira, e a comunicação entre as localidades se fazia por trilhas no meio da floresta. Entretanto, em sua maior parte, as famílias indígenas eram encontradas dispersas pela mata, plantando nos trechos de capoeira, com a eventual agregação de parentes e afins. A forma como as famílias ocupavam o espaço e as trocas comerciais tornavam duas localidades quase que uma área só, pois a distância entre os núcleos reduzia-se, fortalecendo os laços comunitários que se manifestavam nos rituais religiosos, ou na realização de algumas formas de cooperação econômica (mutirão, adjutório). Eram famílias voltadas para a produção direta, formando uma unidade social. O conhecimento e domínio de um território funcionava como fator de identificação e troca, com a base física comum, inalienável, dando sentido à relação entre os grupos domésticos.

As aldeias tinham a disposição de ruas, e em Caieiras Velhas havia um pátio largo, onde uma pequena capela secular fechava a área. As casas eram de pau-a-pique e sapê, cercadas pelo mato ou capoeira, utilizados na medida da necessidade. Com freqüência os Tupiniquim mudavam de casa e roçado, seja pela realização de um casamento ou em busca de melhores condições de sobrevivência.

As casas e os roçados podiam ser feitos em qualquer lugar, só não podiam medir, dizer aquilo é meu. Havia regras de acesso à terra - não se permitia cercá-la ou detê-la exclusivamente. Todavia, com os casamentos preferenciais entre moradores de localidades vizinhas, e as sucessões, os grupos domésticos acabavam identificados aos roçados, como acontecia nas aldeias de Cantagalo e Araribá.

Havia uma posse comunal da terra nessas aldeias, pois os cultivos em extensões podiam ser utilizados à vontade por cada grupo familiar. Existiam também os domínios de caráter comunal - matas, rios, fontes - que possibilitavam a reprodução das famílias Tupiniquim. Em suma, o sistema de posse comunal de terras e outros domínios, aliado à apropriação doméstica e individual do produto do trabalho, permitia a sobrevivência dos Tupiniquim.

Na economia doméstica das localidades próximas ao rio Piraquê-Açu, a pesca e a coleta nos manguezais tinham um papel relevante. Pescavam de linha ou usavam inúmeras armadilhas produzidas artesanalmente, como o quitambu (cercado de espinho) e o jequiá (cesto de varas flexíveis, afunilado). Pegavam também caranguejos, mariscos e muitas ostras. Da casca da ostra mantinham um secular processo de fabricação de cal, comercializada em Santa Cruz junto com mariscos, farinha, lenha e artesanato constituído por colheres de pau, gamelas, esteiras, remos e peneiras, além de cestos, samburás e balaios, produzidos com o cipó imbé.

Independente do comércio em Santa Cruz, tinham um sistema de produção econômica em que um caçava, outro pescava, e outro ainda fazia farinha, trocando os produtos entre si, numa divisão de trabalho informal. Era o sistema de índio, noção que os Tupiniquim utilizam para divulgar e normatizar as práticas indígenas.

Irrupção das grandes empresas

A partir dos anos 40, quando a Companhia Ferro e Aço de Vitória (COFAVI) começou a devastar as matas para produzir carvão vegetal, os índios chegaram a trabalhar para a empresa, fazendo derrubada. Plantavam mandioca, feijão, milho e cana, processando a mandioca com ralador e prensa de tipiti no quitungo, casa de farinha artesanal e familiar. Como nas matas da região houvesse caça à vontade, com mundéus - armadilhas de caça - os Tupiniquim capturavam mamíferos e inúmeras aves.

Naquela época os Tupiniquim não se preocupavam em documentar as suas posses. Desde que a COFAVI começou a devastar as matas da região nos anos 40, os índios passaram a conviver com alguns posseiros, sem conflitos. Para desmatar, os representantes da COFAVI diziam que a terra era do Estado, e logo transformaram matas em pastos na região da aldeia de Pau-Brasil.

As áreas tradicionais de cultivo das aldeias Tupiniquim foram cercadas e reduzidas, quando foram plantados os eucaliptos pela Aracruz Florestal, no fim dos anos 60. Seu modo de vida - o padrão de convivência que resultava da ocupação territorial - sofreu as pressões originadas da enorme redução das áreas de plantio e da fixação em determinados limites, impedindo a tradicional rotatividade das roças.

Os poucos autores que escreveram sobre os Tupiniquim assinalam que os anos sessenta foram decisivos na alteração do panorama fundiário, marcando a entrada da empresa Aracruz Florestal na região, seguida da progressiva expulsão dos índios. Nessa ocasião, o sofrimento dos índios foi acompanhado por algumas manifestações de protesto. Ao estudar os diferentes ecossistemas do Espírito Santo em 1954, o biólogo Augusto Ruschi se defrontou em Caieiras Velhas, na margem esquerda do rio Piraquê-Açu, com "80 índios Tupi-Guarani", vivendo numa área de 30.000 hectares de florestas virgens. Já em 1971 o mesmo Ruschi lamentava a forma como era arrasada a flora e a fauna, com o desmatamento atingindo os índios, pois mais de 700 famílias, entre índios e posseiros, foram desalojados da região reflorestada pela Aracruz Florestal. Foram destruídas antigas aldeias Tupiniquim como Araribá, Amarelo, Areal, Batinga, Braço Morto, Cantagalo, Guaxindiba, Lancha, Macaco, Olho d'Água e Piranema. Os índios até hoje relatam as cenas de violência e desrespeito que sofreram nas áreas visadas pela Aracruz Florestal.

Em 1975, a Funai reconheceu a presença dos Tupiniquim no Espírito Santo. O processo administrativo de identificação das terras indígenas foi conflituoso, gerando inúmeras denúncias de índios, associações e organismos diversos, a respeito dos prejuízos causados por um acordo estabelecido entre a Funai e a Aracruz Celulose, em 1980, quando os limites das três Terras Indígenas foram definidos, culminando na homologação de cada uma dessas áreas em 1983.

A dança do tambor

Foto: Carlos Augusto Freire, 1994
Foto: Carlos Augusto Freire, 1994

Os Tupiniquim mais antigos não se recordam de ter conhecido regras matrimoniais ou qualquer outra norma de parentesco diferente das de hoje, cujas prescrições são idênticas às da população rural. Dos ancestrais, os índios herdaram o receio em utilizar a língua indígena, totalmente perdida em reminiscências esparsas. Os avós dos atuais Tupiniquim conheciam a língua, mas tinham deixado de empregá-la porque eram ameaçados, deixando então de ensiná-la aos mais jovens, desde o início do século. Os índios mais velhos ainda se referem ao língua, índio que tinha o papel de tradutor, falava bem o português e a língua indígena, recebendo as visitas e conversando com os índios das matas que vinham para as aldeias participar da Dança do Tambor (Banda de Congo) nas festas religiosas.

Em 1951, o pesquisador Guilherme Neves distinguiu entre várias bandas de congos os figurantes da banda de Caieiras Velhas, composta por descendentes dos índios que a constituíram em Santa Cruz no século XIX.

As festas eram nos dias de São Benedito, Santa Catarina, São Sebastião e Nossa Senhora da Conceição, durando de dois a três dias: os índios tiravam o mastro da mata, e o Capitão do Tambor, todo ornamentado, usando bastão e cocar, comandava a Banda, saindo a convocar os índios para a dança, de casa em casa. Na ocasião, as índias preparavam uma bebida, a coaba, feita com aipim fermentado, enquanto os índios empregavam como instrumentos de percussão a cassaca (reco-reco antropomorfo) e o tambor, feito de madeira oca, recoberto de couro.

Esses rituais ocorriam em Caieiras Velhas, Pau-Brasil e Comboios, havendo intercâmbio entre as duas primeiras, quando os índios atravessavam as matas atrás das festividades. Hoje a Dança do Tambor só permanece em Caieiras Velhas. Antigamente o Capitão do Tambor detinha prestígio e era também reconhecido como curandeiro (rezador) pelos demais índios. Os Tupiniquim se declaravam católicos, pois as igrejas pentecostais só se instalaram na região recentemente, quando atraíram famílias indígenas para suas denominações.

Apenas o Capitão do Tambor tinha ascendência sobre as famílias de uma aldeia, se responsabilizando pela reprodução das tradições culturais entre os índios. A Dança do Tambor reforçou o intercâmbio e integração simbólica dos Tupiniquim, foi a cultura residual que deu suporte à ressurgência indígena, possibilitando o estabelecimento de uma distintividade cultural que os identificava frente à população regional, não como índios selvagens, uma representação muito difundida, mas como caboclos Tupiniquim.

A partir da luta pela demarcação das Terras Indígenas Tupiniquim na década de 70, surge em cena o Cacique, categoria social que vai expressar as novas articulações que se estabelecem entre os indígenas, que reconheciam anteriormente apenas o Capitão do Tambor. A figura do Conselho Comunitário surge junto com a do Cacique. Os Conselhos das aldeias, através das lideranças Tupiniquim e Guarani, participaram ativamente dos trabalhos de identificação das Terras Indígenas, junto com os respectivos Caciques. A luta pela ampliação de seus territórios produziu uma organização política formal, denominada Comissão de Articulação Tupiniquim e Guarani, mas são os problemas cotidianos e imediatos - desmatamentos, improdutividade de terrenos, plantios, falta de assistência - que mantêm a coesão entre lideranças e comunidades, fortalecendo a disposição reivindicatória de todas as aldeias.

Nota sobre as fontes

Alguns trabalhos disponíveis diretamente voltados para os Tupiniquim: o Relatório do GT 0783/94, isto é, do Grupo de Trabalho coordenado por Carlos Augusto da Rocha Freire que fez o reestudo das terras indígenas Tupiniquim; a dissertação final de bacharelado, Tupinikin: os fabricantes de farinha do Pau-Brasi'l, que Maria Terezinha Martins apresentou na Universidade Federal de Juiz de Fora; e Bandas de Congos, de Guilherme Santos Neves, que há quase meio século detectou índios Tupiniquim como integrantes de um grupo folclórico.

Outras obras, de caráter mais geral, são importantes por atestarem a presença contínua da etnia Tupiniquim ao longo destes últimos cinco séculos. Para o século XVI, o Tratado descriptivo do Brasil em 1587, de Gabriel Soares de Sousa, os Tratados da Terra e Gente do Brasil, de Fernão Cardim, confirmados por autores posteriores como Cezar Augusto Marques e Saint-Adolphe em seus dicionários histórico-geográficos referentes à Província do Espírito Santo e ao Império do Brasil e ainda pelo etnólogo Alfred Métraux em seu capítulo sobre os Tupinambá para o Handbook of South American Indians. Para os séculos XVII e XVIII, a documentação disponível foi aproveitada por autores recentes, como Serafim Leite na sua monumental História da Companhia de Jesus no Brasil, e Ewerton Guimarães em seu artigo sobre a situação de imóveis do patrimônio indígena no Estado do Espírito Santo. Para o século XIX, as crônicas de viagem de Maximiano de Wied Neuwied, Auguste de Saint-Hilaire, o próprio Imperador Pedro II, cuja viagem ao Espírito Santo foi focalizada por Levy Rocha, e sobretudo o pintor Auguste François Biard, que retrata os Tupiniquim nas gravuras de seu livro Deux années au Brésil.

Fontes de informação

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