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Ondas de calor, restrição de água: Caatinga Climate Week coloca a adaptação ao semiárido no debate climático

02/11/2025

Autor: Mariana Tavares

Fonte: Valor Econômico - https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2025/11/02/ondas-de-calor-restricao-de-agua-



Ondas de calor, restrição de água: Caatinga Climate Week coloca a adaptação ao semiárido no debate climático
Inspirada na Semana do Clima de Nova York, evento brasileiro trata do bioma que ocupa 10% do território nacional, com espécies de fauna e flora únicas no mundo

Por Mariana Tavares - Para o Valor, de Caruaru, Vertentes, Jucati e Buíque (PE)
02/11/2025

Quem chegasse ao sítio de seu José e dona Cilene Lima no início dos anos 2010 encontraria um cenário muito diferente do atual. Localizada na zona rural de Vertentes, em Pernambuco, a propriedade de 3,5 hectares foi comprada em 2008. Em plena região semiárida, da torneira não saía nada. Era preciso percorrer 2 km para buscar água salobra no povoado vizinho.

Até que tecnologias sociais começaram a chegar, fruto de políticas públicas e do trabalho de organizações da sociedade civil. Em 2012, foi a cisterna de primeira água, cuja capacidade para armazenar 16 mil litros de água da chuva supre o consumo do casal e de seus dois filhos, Estefany e Júnior. Em 2018, a cisterna de segunda água, com 52 mil litros, viabilizou a produção de alimentos.

A lista segue: o biodigestor fornece gás de cozinha e fertilizante para o solo, um sistema reaproveita a água gasta em atividades como banho e a agrofloresta ocupa parte do terreno com espécies nativas e frutíferas. Hoje, enquanto seu José se dedica às abelhas, dona Cilene cuida do jardim de flores e plantas medicinais.

"A gente tinha práticas muito drásticas com o solo. Achava que quanto mais limpo, melhor", diz Estefany, referindo-se aos cortes e queimadas antes feitos. "Depois que chegou a cisterna, mudamos totalmente a forma de ver. Começamos a cuidar, adubar, regar. Foi com essas práticas que na pandemia a gente produziu hortaliças para vender."

O sítio da família Lima foi um dos destinos no agreste pernambucano pelos quais passou a primeira edição da Caatinga Climate Week (CCW), ou Semana do Clima da Caatinga, no começo do mês. Os locais visitados dão mostras de soluções de adaptação ao clima semiárido, marcado por altas temperaturas e secas prolongadas. Em média, são 8 meses de estiagem e 4 meses de chuva.

Feita em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), a iniciativa foi capitaneada pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, criado em 1993 com foco em promover a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. A ONG atua em 30 municípios de Pernambuco, com ações como assessoria técnica a agricultores e implementação de tecnologias sociais.

"Tecnologia social é aquela que gera benefício para a população e é construída com as pessoas da localidade. Se quebra, você conserta ali mesmo. E é sem patente, porque precisa ser replicada", diz Carlos Magno Morais, coordenador de mobilização social do Centro Sabiá. Outro marco é o baixo custo. Com R$ 6 mil constrói-se uma cisterna de primeira água, valor que inclui a capacitação dos agricultores para o uso.

Partiu de Morais a concepção da CCW. Convidado a participar da Semana do Clima de Nova York, em 2024, o paraibano de São José de Espinharas trouxe na mala uma inquietação. "Voltei de lá pensando: por que a gente discute clima tão longe das regiões críticas? É essa realidade que precisamos entender para poder agir."

Das semanas do clima tradicionais a CCW herdou o nome em inglês para evidenciar a conexão com a agenda internacional. "As pessoas vão às semanas do clima para falar. Aqui, elas vieram escutar. As sessões de debate foram nas próprias comunidades, entendendo que especialistas do clima são também as pessoas dali", diz Morais.

Para Adriana Ramos, secretária executiva do ISA, o modelo da CCW inova ao tornar concreto o modo como a questão climática perpassa a sociedade. "Muitas vezes esse debate fica tão distante da relação com o humano, fica parecendo que você vai resolver o problema dentro das salas de negociação. A negociação é importante, mas as pessoas estão resolvendo sua vida no dia a dia. Dar visibilidade a isso ajuda que essas coisas se aproximem."

Poucas populações têm o cotidiano tão permeado pelas oscilações do clima quanto as que vivem na caatinga. Distribuído entre o Nordeste e o norte de Minas Gerais, o bioma ocupa 86,2 milhões de hectares, ou 10% do território nacional, com espécies de fauna e flora únicas no mundo. Segundo o MapBiomas, 9,25 milhões de hectares de áreas naturais da caatinga foram perdidas nos últimos 40 anos.

Estudos atestam a importância climática do bioma, como sua alta eficiência em capturar e armazenar carbono da atmosfera, segundo o Instituto Nacional do Semiárido (INSA) e o Observatório da Caatinga e Desertificação (OCA). Em 2023, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) identificaram no norte da Bahia a primeira região árida do país.

"Isso é um risco de que essas áreas fiquem cada vez mais inférteis. Metade da agricultura familiar do Brasil está na caatinga. E já há perda de produtividade. Aqui se dizia: planta em São José [19 de março] e colhe em São João [24 de junho]. Não funciona mais", diz Morais. "Se isso avança, podemos ter novas ondas de migração."

Falas sobre o desejo de permanecer no território e construir ali condições de vida dignas, sem a necessidade de deixar o campo pela cidade, foram uma constante nas visitas da CCW. No município de Jucati, a expedição conheceu experiências de resgate e preservação de sementes crioulas visando não só à segurança alimentar e à proteção da biodiversidade, mas também à geração de renda para o agricultor.

"Se ele leva o feijão para vender no mercado, é R$ 4 o quilo. Já na nossa rede a gente vende o pacote de meio quilo por R$ 10 em feiras agroecológicas. Deste valor, R$ 8 vão para o agricultor e R$ 2 ficam com a rede para a questão da embalagem", diz Ivanir Bezerra, da coordenação da Rede de Sementes Crioulas do Agreste Meridional de Pernambuco.

O grupo organiza agricultores para que sejam "guardiões de sementes", pessoas que coletam variedades existentes nas comunidades, plantam e disponibilizam o excedente ao banco comunitário de sementes da rede. "A gente mostra para eles que essas sementes da caatinga são valiosas. Não são acessíveis a pragas, não precisam de químicos e são adequadas à região, porque aqui a chuva é pouca."

Fundada em 2015, a rede agrega 23 instituições, como cooperativas rurais, e 8 pessoas físicas. Seu banco de sementes, mantido no Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), em Garanhuns, inclui mais de 30 tipos de feijão, 12 de fava e 5 de milho. "As sementes crioulas são ancestrais, passam de geração em geração. Com as mudanças climáticas, algumas se perderam. Nosso papel é fazer esse resgate", diz a coordenadora.

Agricultora, Bezerra cita padrões de seca e chuva cada vez mais imprevisíveis. "Alguns guardiões se desestimulam. 'Plantei, perdi, não sei se vou plantar no ano que vem porque o clima está difícil'." Pensando na continuidade do trabalho, há esforços de formação de jovens e parcerias com universitários. "Eles são sementes também, porque levam e multiplicam a bagagem que tiveram aqui."

De volta à família Lima, em Vertentes, Estefany, na reta final do ensino médio, planeja ser professora de história e "algum tipo de ativista" em causas sociais. Fala dos efeitos do clima no sítio: sem a chuva de anos anteriores, a venda de hortaliças foi suspensa para economizar a água armazenada nas cisternas. "Nossa alternativa são as abelhas, com a comercialização do mel. Mas neste ano até para elas está meio escasso."

A sucessão rural, junto com adaptação climática, transição agroalimentar e digitalização no campo, é um dos eixos de pesquisa e incidência da Cátedra Itinerante de Inclusão Produtiva Rural. Criada pelo núcleo de sustentabilidade do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Fundação Arymax, a instituição tem se voltado ao semiárido, razão para uma de suas coordenadoras, Júlia Mariano, participar da expedição.

"Essa região é onde está a agricultura familiar mais vulnerável", diz Mariano. "Outros lugares precisarão lidar com a seca. Então, as soluções desenvolvidas na caatinga devem ser consideradas nesse repertório. O desafio é entender como seguir a partir daí, envolvendo todos os atores dessa agenda, como as políticas públicas."

Os organizadores da CCW falam em cerca de 500 pessoas mobilizadas, tão diversas quanto pesquisadores, gestores de family office, filantropos, influenciadores, agricultores e representantes do poder público. Na plenária final, no Parque Nacional do Vale do Catimbau, em Buíque, povos indígenas e quilombolas compartilharam saberes e demandas.

A abertura da CCW, em Caruaru, foi com a etapa na caatinga do projeto "Vozes dos Biomas rumo à COP30". Nele, as enviadas especiais da COP30 Denise Dora, a primeira-dama Janja da Silva e Jurema Werneck ouviram representantes de cada bioma para construir cartas propositivas de ação climática a serem entregues às lideranças da cúpula.

De acordo com Morais, do Centro Sabiá, a CCW enviará carta própria à Presidência da COP30. "São mensagens-chave, como financiamento para adaptação climática e regulação das agendas de carbono e transição energética no bioma."

Além de servir de inspiração aos demais biomas, a intenção é que a CCW seja anual. "A caatinga não está em lugar nenhum no debate climático. Em Nova York, ninguém sabe que ela existe", diz Morais. "Mas se estamos falando de ondas de calor, de restrição de água, aqui há 30 milhões de pessoas que já nascem adaptadas a essa realidade. A gente tem que estar nessa mesa de conversa."

A repórter viajou a convite da Caatinga Climate Week


https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2025/11/02/ondas-de-calor-restricao-de-agua-caatinga-climate-week-coloca-a-adaptacao-ao-semiarido-no-debate-climatico.ghtml
 

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