De Povos Indígenas no Brasil
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Indígenas e as eleições

Instituições dos brancos

Por Marcos Pereira Rufino, antropólogo

As eleições no Brasil – como todo evento multifacetado, misto de festa, acordo, combate e ritual – mobiliza os veículos de informação também pelo anedotário que produz. Curiosamente, a presença crescente dos indígenas no processo eleitoral nos é transmitida exatamente neste registro. De certo modo, a participação dos indígenas na disputa por vagas no poder legislativo e executivo é apresentada no mesmo tom de estranheza com que o jornalismo brasileiro descreve indígenas xinguanos paramentados com sandálias Havaianas e calções Adidas. É como se a candidatura indígena selasse, solenemente, a inexorável aculturação.

Para além deste anedotário há, de fato, muito o que refletirmos. Afinal, indígenas dos mais diversos povos estão lidando com as grandes instituições da sociedade branca e com processos políticos pertencentes a uma gramática social e simbólica que lhes é absolutamente estranha, ao menos na maneira como estamos acostumados a pensar.

A começar pela representação política, essa tão louvada instituição do Ocidente, originada entre os atenienses da Grécia antiga e, em sua forma mais contemporânea, na Revolução Francesa. A representação envolve, no mínimo, premissas e categorias mentais muito distintas aos modos nativos de fazer política. A ideia de delegar a um indivíduo o poder de atuar em nome do grupo em questões que lhe são vitais implica em muitas coisas, como, por exemplo, na criação de um mediador que se interpõe entre os indígenas e a tomada de decisões.

A política, que em muitas formulações nativas atravessa a vida social de maneira ampla articulando-se simultaneamente às regras do parentesco, ao complexo ritual e religioso, ao discurso cosmológico, passa então a circular em uma ordem específica, a ordem política, regida por uma racionalidade burocrática e fundamentada em valores que se pretendem universalmente válidos. Formas tradicionais de liderança política – como, por exemplo, aquela assumida pelo sábio ancião, com sua oratória sensível, seu zelo pela reatualização permanente do legado mitológico e da tradição, seu prestígio guerreiro – cedem lugar para uma nova forma de liderança, desta vez protagonizada por jovens talentosos, escolarizados, falantes do português, minimamente conhecedores dos códigos e peculiaridades do mundo dos brancos.

Se não bastasse tudo isso, a candidatura indígena deve lidar obrigatoriamente com a mecânica de funcionamento partidário. Como sabemos, o partido político é em si mesmo o resultado de compromissos, interesses e arranjos complexos. Com alguma frequência a candidatura não pode se eximir de promover um projeto político que lhe ultrapassa em extensão, fazendo referência não apenas aos interesses da sociedade local envolvente como também às grandes questões nacionais. Por força de tais injunções o indígena ganha ainda outras identidades: torna-se liberal ou socialista; e até mesmo outros lugares onde ficar: está na esquerda, na direita ou no centro.

Para alguns observadores, as diversas candidaturas indígenas reproduzem alguns arranjos que nos são conhecidos. Uns seriam representantes "legítimos" de seu povo, indicados ao pleito eleitoral diretamente pela decisão de suas comunidades ou de suas respectivas organizações indígenas. Outros seriam candidatos isolados, envolvidos em um projeto político próprio, determinados a atuar na vida pública. Os primeiros estariam ligados aos partidos que tradicionalmente situamos na esquerda política, os segundos estariam filiados aos partidos de perfil clientelista.

As relações de gênero também repercutem essas transformações. Se no âmbito do movimento indígena é cada vez mais frequente a participação feminina e mesmo o surgimento de organizações indígenas de mulheres, a política local de alguns municípios começa a presenciar esse novo ator social. Nas eleições municipais do ano 2000 tivemos até uma candidata Kaingang à vice-prefeitura em um município do oeste catarinense.

Estas e muitas outras questões certamente não deixam os indígenas estáticos em contemplação, ou em elucubrações filosóficas sobre sua nova condição de sujeitos da "alta" política dos brancos. Ao que tudo indica muitos têm pressa. As eleições de 1996 contaram com pouco mais de 80 candidatos indígenas, entre vereadores e prefeitos. Em 1998, além do crescimento no número de candidatos o país assistiu à tentativa de David Terena de chegar ao governo do Distrito Federal. Nas eleições de 2000, foram mais de 350 indígenas pleiteando vagas nas eleições municipais – sendo 13 deles para prefeito – e 80 se elegeram. Na condição de eleitores os indígenas também não ficam atrás. Em simulações de votação realizados em Roraima, o presidente do TRE espantava-se com a velocidade do voto indígena na urna eletrônica: 22 segundos contra mais de um minuto de muito eleitor não indígena.

Setembro de 2000

Candidatos indígenas mostram força nas Eleições Municipais de 2008

No pleito de 2008, foram registradas mais de 350 candidaturas indígenas em 150 municípios brasileiros, espalhados por 21 Estados da Federação. Cerca de 78 indígenas deverão tomar posse no início de 2009. A maioria dos eleitos – aproximadamente 70% – concorreu a cargos em municípios de pequeno porte, onde estão localizadas Terras Indígenas, e que contam com menos de 10.000 eleitores. Instituto Socioambiental, outubro de 2008.

Embora a participação indígena na política partidária brasileira só tenha ganhado destaque na mídia no final da década de 1980 - com a eleição de Mário Juruna para o cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro - , os registros sobre esse envolvimento remontam pelo menos aos anos 1950. A presença indígena na política partidária brasileira não é, portanto, um fenômeno novo. Mas, como o TSE não faz registro dos candidatos por etnia, aqueles que se propõem a acompanhar o desempenho dos candidatos indígenas nas eleições municipais, estaduais e federais encontram inúmeras dificuldades e os dados devem ser considerados parciais.

Em 2008, no Estado do Amazonas, foram eleitos dois prefeitos indígenas: Pedro Garcia e Mecias Pereira Batista, em São Gabriel da Cachoeira e Barreirinha, respectivamente. Em Minas Gerais, no município de São João das Missões, José Nunes de Oliveira, indígena Xacriabá, reelegeu-se para o cargo de prefeito e a câmara será ocupada majoritariamente por vereadores indígenas. Listas elaboradas por antropólogos e indigenistas apontam a eleição de mais dois indígenas para prefeito no Estado de Roraima: Eliésio Cavalcante de Lima, em Uiramutã, e Orlando Oliveira Justino, em Normandia.

Em Jacareacanga, no Pará, os três vereadores Munduruku eleitos no pleito de 2004 reelegeram-se e a Câmara Municipal contará, ainda, com a presença de mais dois vereadores indígenas. Ao todo, 42,3 % dos indígenas que exerceram mandato nos últimos quatro anos conseguiram se reeleger.

Em alguns locais, a eleição de candidatos indígenas é resultado de anos de mobilização política de indígenas e indigenistas. Em outros, tratam-se de candidaturas motivadas por interesses alheios aos das comunidades indígenas, como a intenção das elites locais de angariar votos indígenas. Desta forma, encontramos candidatos indígenas em partidos com diferentes orientações ideológicas: o PT elegeu 26 dos indígenas que concorreram ao pleito municipal em 2008; o PMDB, 12; o PSDB, 6; o PR, 6; o PV, 5; o PPS, 4; o DEM, 3; o PC do B, 3; o PDT, 2; o PP, 2; o PRB, 2; o PHS, o PMN, o PRP, o PSC, o PSDC, o PSL e o PTB elegeram 1 candidato cada um. Mas, independentemente da filiação partidária dos candidatos, a presença indígena nas câmaras municipais confere a elas um colorido especial. Não podemos deixar de considerar que, em sociedades regidas pela lógica da dádiva, até mesmo práticas identificadas como clientelistas podem assumir novas características. A atuação dos indígenas eleitos deve ser acompanhada de perto pela sociedade civil como um todo e, especialmente, por aqueles que os elegeram.

Candidatos indígenas eleitos em 05 de outubro de 2008
Nome Cargo Partido Cidade Estado votos
Joel Ferreira Lima Vereador PC do B Mâncio Lima AC 421
Adalberto Domingos Kaxinawa Vereador PPS Santa Rosa AC 48
Edimar Domingos Kaxinawa Vereador DEM Santa Rosa AC 45
Hilário Augusto Kaxinawá Vice-Prefeito PC do B Santa Rosa AC 671
Paulo Lopes Mateus Kaxinawá Vereador PC do B Santa Rosa AC 88
Lauro Lorenço Vereador PHS Amaturá AM 185
Siriaco Silva Gomes Vereador PMDB Amaturá AM 254
Cecilio Correa Vereador PMDB Autazes AM 351
Mecias Pereira Batista Prefeito PMN Barreirinha AM 3666
Davi Félix Cecílio Filho Vereador PSDC Benjamin Constant AM 376
Silbeni Ovidio Rosindo Vereador PR Santo Antônio do Iça AM 387
André Fernando Vice-Prefeito PV São Gabriel da Cachoeira AM 6366
Osmarina Maria Pena Vereador PT São Gabriel da Cachoeira AM 426
Pedro Garcia Prefeito PT São Gabriel da Cachoeira AM 6366
Rivelino Ortiz Garcia Vereador PT São Gabriel da Cachoeira AM 638
Alcides Sebastião Guedes Vereador PSDB São Paulo de Olivença AM 288
Hildo Moçambite Martins Vereador PT São Paulo de Olivença AM 530
Francisco Antonio Guedes Vereador PT São Paulo de Olivença AM 404
Sebastiao Ramos Nogueira Vereador PSL Tabatinga AM 484
Elton Anica dos Santos Vereador PV Oiapoque AP 476
Felizardo dos Santos Vereador PV Oiapoque AP 315
Cicero Rumão Gomes Marinheiro Vereador PSC Abaré BA 480
Gerson de Souza Melo Vereador PT Pau Brasil BA 205
Edmundo Ferreira dos Santos Vereador PT Prado BA 275
Romildo Cruz de Araujo Vereador PRP Rodelas BA 471
Sérgio Luis Cruz Silva Vereador PT Rodelas BA 335
Ailton Alves dos Santos Vereador PR Santa Cruz de Cabrália BA 337
Antonio Kacrose Canela Vereador PT Fernando Falcão MA 382
Isaias Alves Pavião Vereador PV Jenipapo dos Vieiras MA 499
Davi Soares Milhomem Vereador PT Montes Altos MA 208
Ismail Maxakali Vereador PMDB Bertópolis MG 96
Maria Diva Maxacali Vereador PRB Santa Helena de Minas MG 165
Antonio de Araújo Santana Vereador PT São João das Missões MG 393
Hilário Correa Franco Vereador PT São João das Missões MG 234
João Batista dos Santos Vereador PT São João das Missões MG 347
João Pinheiro dos Santos Vereador PT São João das Missões MG 258
José Nunes de Oliveira Prefeito PT São João das Missões MG 3316
Maria Zita Barbosa Lacerda Vereador PR São João das Missões MG 392
Domingos Gonçalves de Alkimim Vereador PT São João das Missões MG 306
Percedino Rodrigues Vereador PT Dois Irmãos do Buriti MS 290
Sergio Cavalheiro Vereador PT Laguna Carapã MS 102
Diomar Uretêe Vereador PR Bom Jesus do Araguaia MT 138
Jeremias Pinita'awe Tsibodowapre Vereador DEM Campinápolis MT 362
Ciucarte Carlinho Mehinako Vereador PPS Gaúcha do Norte MT 125
Ary Maraiho Vereador PSDB Nova Nazaré MT 53
José Itabira Surui Vereador PR Rondolândia MT 128
Genilson André Kezomae Vereador PR Tangará da Serra MT 739
Adonias Kabá Munduruku Vereador PSDB Jacareacanga PA 243
Gerson Barbosa Manhuary Munduruku Vereador PT Jacareacanga PA 292
Hans Amancio Caetano Kaba Munduruku Vereador PMDB Jacareacanga PA 208
Isaias Munduruku Vereador PMDB Jacareacanga PA 186
Roberto Crixi Vice-Prefeito PT Jacareacanga PA 1904
Rosinildo Saw Munduruku Vereador PMDB Jacareacanga PA 204
Genival Silva dos Santos Vereador PP Baia da Traição PB 235
Manoel Messias Rodrigues Vereador PMDB Baia da Traição PB 234
Nivaldo Deolindo da Silva Vereador PSDB Baia da Traição PB 187
José Carlos da Cruz Pereira Vereador PMDB Marcação PB 179
José Edson Soares de Lima Vereador PTB Marcação PB 231
Paulo Sérgio da Silva Araújo Prefeito PMDB Marcação PB 2301
Raimunda Candido Barbosa Vereador PRB Marcação PB 192
Valdi Fernandes da Silva Vice-Prefeito PT Marcação PB 2301
Claudecir da Silva Braz Vereador PMDB Rio Tinto PB 760
José Frederico da Silva Vereador DEM Águas Belas PE 615
Edson Gabriel da Silva Vereador PDT Carnaubeira da Penha PE 382
Cleomar Diomedio dos Santos Vereador PDT Jatobá PE 230
Jose Agnaldo Gomes de Souza Vereador PT Pesqueira PE 1314
Orlando Oliveira Justino Prefeito PSDB Normandia RR 1641
Anisio Pedrosa Lima Vice-Prefeito PP Pacaraima RR 2250
Albertino Dias de Souza Vereador PSDB Uiramutã RR 105
Dilson Domente Ingaricó Vereador PT Uiramutã RR 278
Eliésio Cavalcante de Lima Prefeito PT Uiramutã RR 1756
Pedro Ferreira Vereador PT Benjamin Constant do Sul RS 254
Erpone Nascimento Vice-Prefeito PPS Gramado dos Loureiros RS 840
Darci Maurerri Javae Vereador PV Formoso do Araguaia TO 241
Iwraru Karaja Vereador PMDB Lagoa da Confusão TO 149
Antonio Marco Sena Leal Karaja Vereador PPS Santa Fé do Araguaia TO 188
Alexandre Chapazane Xerente Vereador PMDB Tocantínia TO 179
Ivan Suzawré Xerente Vereador PT Tocantínia TO 149


  • Os dados sobre os candidatos eleitos para o cargo de prefeito no Estado de Roraima ainda requerem confirmação.
  • Os votos computados para os vice-prefeitos correspondem à votação obtida pelos candidados a prefeito.
  • As informações apresentadas são oriundas do projeto Da Aldeia à Câmara Municipal: Candidatos indígenas nas eleições de 2008, coordenado por Maria Inês Smiljanic, que conta com a participação de Flávia Roberta Babireski, João Vitor Fontanelli dos Santos, Luís Fernando Carvalho Cintra e Nádia Philippsen Fürbrigen, estudantes do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná - UFPR.

2008 - Povos Indígenas e as Eleições em São Gabriel da Cachoeira

São Gabriel da Cachoeira, município do estado do Amazonas, possui uma população de 39.714 pessoas (IBGE,2007), sendo que deste total mais de 95% se consideram pertencentes a mais de 20 povos indígenas diferentes. Residem tanto na cidade, como nas terras indígenas da região, sendo a maior delas a Terra Indígena Alto Rio Negro.

É desta terra que vieram os atuais candidatos indígenas a prefeito e vice-prefeito, respectivamente: Pedro Garcia Tariano (pelo PT) e André Fernandes Baniwa (pelo PV).

Pedro Garcia, da etnia Tariano, já foi candidato a prefeito em 2004, mas acabou perdendo por menos de 200 votos a eleição para um não-índio. Dentre os motivos que ajudam a explicar aquela derrota, é possível identificar um que costuma estar presente em boa parte da participação eleitoral de lideranças indígenas: a resistência dos próprios índios em votar em candidatos de etnias distintas.

De olho nesse aspecto, a chapa indígena para as eleições municipais deste ano, formada por Pedro Garcia e André Fernandes, representaram as duas das etnias mais influentes no município de São Gabriel: Tariano e Baniwa. Essa associação inédita em termos de disputa eleitoral, permitiu, entre outros fatores, que Pedro Garcia Tariano se tornasse o primeiro prefeito indígena eleito em São Gabriel da Cachoeira .

Para conhecer antecedentes desta conquista, veja nos links a seguir, matéria publicada no Jornal "A Crítica", de Manaus, com fotos dos candidatos e das comunidades, além de mapas identificando a região e as terras indígenas - A aventura da democracia 1 | A aventura da democracia 2 [set 2008]