From Indigenous Peoples in Brazil
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Florestas ficam por último e recebem pouco, afirmam críticos de fundo de Lula
09/11/2025
Fonte: FSP - https://www1.folha.uol.com.br/
Florestas ficam por último e recebem pouco, afirmam críticos de fundo de Lula
Valor proposto pelo mecanismo TFFF é considerado insuficiente para combater atividades predatórias como o garimpo ilegal
Especialistas criticam modelo que prioriza investidores e pode deixar florestas sem remuneração em momentos de instabilidade
09/11/2025
Ana Carolina Amaral
Espera aí: eles pegaram um helicóptero só para vir me dar uma entrevista?", perguntei sobre a vinda de dois comandantes das forças policiais francesas a Camopi, município da Guiana Francesa que faz fronteira com o Amapá. "É, para você ver quão desesperados eles estão", respondeu o guia da reportagem e ex-chefe adjunto da delegação do Parque Nacional da Guiana em Camopi, Thierry Girardot.
O lado brasileiro da fronteira também abriga um parque nacional, o Montanhas do Tumucumaque. No mapa e por satélite, a mata fechada dos dois lados do rio Oiapoque indica que estamos em uma das regiões mais conservadas da amazônia -o que a torna candidata a receber dinheiro do mecanismo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), lançado pelo governo brasileiro na quinta-feira (6), na Cúpula de Líderes que precede a COP30, conferência do clima da ONU, em Belém.
Com doações já confirmadas de Brasil, Indonésia e previsões de aporte de Noruega, Holanda e China, o mecanismo pretende levantar US$ 25 bilhões (cerca de R$ 133 bilhões) de investimento público e outros US$ 100 bilhões (R$ 790 bi) de investidores privados para formar um fundo de renda fixa, cujos lucros, depois de pagar os investidores, devem remunerar a conservação de florestas tropicais.
Com gestão do Banco Mundial, o TFFF prevê pagar cerca de US$ 4 (R$ 21,40) por hectare de floresta conservada -em um processo semelhante ao Fundo Amazônia, em que o país primeiro comprova resultados na conservação e depois recebe a recompensa financeira. De acordo com a nota conceitual, pelo menos 20% dos recursos devem ir para povos indígenas e comunidades locais.
A expectativa de receber incentivos financeiros para a conservação não anima as comunidades ouvidas pela reportagem e que convivem, dentro dos parques fronteiriços, com o garimpo de ouro.
Segundo o cacique do povo Teko, Simeon Monnerville, o auxílio social recebido pelo governo francês -cerca de € 600 (R$ 3.718) mensais -não impede o aliciamento promovido pelos garimpeiros. Eles procuram indígenas por serem conhecedores de rios e igarapés. No início, oferecem quantias exorbitantes, acima de € 1.000 (R$ 6.197) por dia. Ainda segundo o cacique, indígenas mais jovens tendem a morder a isca, sob a motivação de consumir itens modernos, como celulares.
"Quase sempre tem um indígena dentro do barco, porque eles sabem como contornar as rochas dos rios", afirma em tom de lamento o cacique Waiãpi.
A migração da atividade ilegal do lado brasileiro para o território vizinho motiva o desespero das autoridades francesas.
De acordo com o major do Exército francês Christophe Laratte, os garimpeiros se adaptam muito bem às estratégias de repressão; pagam redes de sentinelas e já preparam kits para substituir os materiais apreendidos pelas operações -que custam cerca de € 110 milhões (R$ 681 milhões) anuais ao governo francês.
"Não é tudo sobre dinheiro. É uma questão complexa, que envolve aspectos sociais, estratégicos e diplomáticos", afirma Laratte. Ele estima que hoje cerca de 7.000 garimpeiros -95% deles brasileiros- extraem ouro dentro do parque nacional francês.
Do lado brasileiro, dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, uma vila com cerca de 800 habitantes oferece estrutura para atender à atividade garimpeira, com hospedagem, restaurante e venda de equipamentos.
Para além do incentivo financeiro da atividade ilegal, a comunidade conta com apoio político. Há três anos, tramita no Congresso Brasileiro o PL 3087/2022, de autoria do senador Lucas Barreto (PSD/AP), para recortar a vila para fora do parque nacional, que perderia uma área de 8.000 hectares.
A reportagem conversou com comerciantes da Vila Brasil, que aceitaram falar sob condição de anonimato. Eles defendem o recorte do território para fora do parque nacional.
De acordo com a chefe do parque nacional Montanhas do Tumucumaque, Fernanda Brandão, as limitações orçamentárias dificultam as operações. Para ela, propostas como o TFFF podem trazer consistência para ações de fiscalização, caso o pagamento seja recorrente.
Entretanto, o valor que o TFFF deve repassar às florestas não deve fazer frente às atividades predatórias que a conservação precisa combater, na avaliação do engenheiro Tasso Azevedo, um dos principais especialistas brasileiros em políticas de clima e florestas, fundador do MapBiomas e ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro.
"O valor por hectare ficou muito baixo, porque se dimensionou o que vai se pagar baseado no que se imaginou que poderia capturar com o fundo", aponta. Há dois anos, Azevedo apresentou ao governo Lula a versão original da proposta de financiamento da conservação, que mais tarde, com o envolvimento do Banco Mundial e gestores de fundos, viraria o TFFF.
A ideia original, construída por Azevedo junto ao economista Pedro Moura, era de que a indústria petrolífera no mundo se comprometesse a destinar às florestas US$ 1 (R$ 5,35, na cotação atual) para cada barril de petróleo produzido. Com uma demanda atual em torno de 30 bilhões de barris anuais, seria possível prever um pagamento de cerca de US$ 30 (R$ 160) por hectare por ano de floresta tropical conservada, enquanto a proposta final do TFFF prevê apenas US$ 4.
"É muito diferente dizer que quem desmata vai perder US$ 3.000 (R$ 16 mil) ou US$ 400 (R$ 2.140), porque nenhum cultivo agrícola dá US$ 3.000 de retorno por hectare", compara. "Certamente, o valor atual não é suficiente para frear economias que desmatam. É um recurso muito pequeno", conclui.
A dupla Azevedo e Moura tem insistido na sua proposta, chamada Mecanismo para Florestas Tropicais, como um complemento ao TFFF.
"É certo que [o investimento no TFFF] vai funcionar na escala em que estão imaginando? Não", afirma Moura. Especialista em mecanismos de mercado para conservação, ele dirige a empresa BVRio.
"O maior risco hoje não é se o mecanismo vai gerar recursos que vão para a floresta, mas se vai ser possível captar os US$ 125 bilhões (R$ 669 bi) iniciais. Esse é o grande 'se' neste momento", avalia.
Para o secretário de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda, João Resende, o desafio de captação se deve à mudança de mentalidade implicada no mecanismo.
"A grande sacada é como a gente consegue fazer os países pararem de entender como despesa e entender como investimento. O Brasil conseguiu colocar US$ 1 bilhão porque entende como investimento", afirma.
O modelo também tem motivado críticas do pesquisador Max Alexander Matthey, cuja tese de doutorado propõe alternativas para o financiamento climático. Seu orientador, o professor Aidan Hollis, da Universidade de Calgary (Canadá), também critica o projeto.
De acordo com a dupla, o mecanismo subestima os riscos do mercado financeiro e deixa as florestas em último lugar, ao prever que os pagamentos serão feitos de forma cascateada: primeiro se remunera os investidores privados, depois os países e, finalmente, os detentores de florestas conservadas.
Em resposta à crítica, Resende admite que a ordem de prioridade pode deixar as florestas sem remuneração em momentos de instabilidade do sistema financeiro. "Vai ter momentos de suspensão do pagamento às florestas -cerca de 5% das vezes, segundo nossa simulação. Mas é melhor do que o que existe hoje, que é nada", rebate.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/11/florestas-ficam-por-ultimo-e-recebem-pouco-afirmam-criticos-de-fundo-de-lula.shtml
Valor proposto pelo mecanismo TFFF é considerado insuficiente para combater atividades predatórias como o garimpo ilegal
Especialistas criticam modelo que prioriza investidores e pode deixar florestas sem remuneração em momentos de instabilidade
09/11/2025
Ana Carolina Amaral
Espera aí: eles pegaram um helicóptero só para vir me dar uma entrevista?", perguntei sobre a vinda de dois comandantes das forças policiais francesas a Camopi, município da Guiana Francesa que faz fronteira com o Amapá. "É, para você ver quão desesperados eles estão", respondeu o guia da reportagem e ex-chefe adjunto da delegação do Parque Nacional da Guiana em Camopi, Thierry Girardot.
O lado brasileiro da fronteira também abriga um parque nacional, o Montanhas do Tumucumaque. No mapa e por satélite, a mata fechada dos dois lados do rio Oiapoque indica que estamos em uma das regiões mais conservadas da amazônia -o que a torna candidata a receber dinheiro do mecanismo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), lançado pelo governo brasileiro na quinta-feira (6), na Cúpula de Líderes que precede a COP30, conferência do clima da ONU, em Belém.
Com doações já confirmadas de Brasil, Indonésia e previsões de aporte de Noruega, Holanda e China, o mecanismo pretende levantar US$ 25 bilhões (cerca de R$ 133 bilhões) de investimento público e outros US$ 100 bilhões (R$ 790 bi) de investidores privados para formar um fundo de renda fixa, cujos lucros, depois de pagar os investidores, devem remunerar a conservação de florestas tropicais.
Com gestão do Banco Mundial, o TFFF prevê pagar cerca de US$ 4 (R$ 21,40) por hectare de floresta conservada -em um processo semelhante ao Fundo Amazônia, em que o país primeiro comprova resultados na conservação e depois recebe a recompensa financeira. De acordo com a nota conceitual, pelo menos 20% dos recursos devem ir para povos indígenas e comunidades locais.
A expectativa de receber incentivos financeiros para a conservação não anima as comunidades ouvidas pela reportagem e que convivem, dentro dos parques fronteiriços, com o garimpo de ouro.
Segundo o cacique do povo Teko, Simeon Monnerville, o auxílio social recebido pelo governo francês -cerca de € 600 (R$ 3.718) mensais -não impede o aliciamento promovido pelos garimpeiros. Eles procuram indígenas por serem conhecedores de rios e igarapés. No início, oferecem quantias exorbitantes, acima de € 1.000 (R$ 6.197) por dia. Ainda segundo o cacique, indígenas mais jovens tendem a morder a isca, sob a motivação de consumir itens modernos, como celulares.
"Quase sempre tem um indígena dentro do barco, porque eles sabem como contornar as rochas dos rios", afirma em tom de lamento o cacique Waiãpi.
A migração da atividade ilegal do lado brasileiro para o território vizinho motiva o desespero das autoridades francesas.
De acordo com o major do Exército francês Christophe Laratte, os garimpeiros se adaptam muito bem às estratégias de repressão; pagam redes de sentinelas e já preparam kits para substituir os materiais apreendidos pelas operações -que custam cerca de € 110 milhões (R$ 681 milhões) anuais ao governo francês.
"Não é tudo sobre dinheiro. É uma questão complexa, que envolve aspectos sociais, estratégicos e diplomáticos", afirma Laratte. Ele estima que hoje cerca de 7.000 garimpeiros -95% deles brasileiros- extraem ouro dentro do parque nacional francês.
Do lado brasileiro, dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, uma vila com cerca de 800 habitantes oferece estrutura para atender à atividade garimpeira, com hospedagem, restaurante e venda de equipamentos.
Para além do incentivo financeiro da atividade ilegal, a comunidade conta com apoio político. Há três anos, tramita no Congresso Brasileiro o PL 3087/2022, de autoria do senador Lucas Barreto (PSD/AP), para recortar a vila para fora do parque nacional, que perderia uma área de 8.000 hectares.
A reportagem conversou com comerciantes da Vila Brasil, que aceitaram falar sob condição de anonimato. Eles defendem o recorte do território para fora do parque nacional.
De acordo com a chefe do parque nacional Montanhas do Tumucumaque, Fernanda Brandão, as limitações orçamentárias dificultam as operações. Para ela, propostas como o TFFF podem trazer consistência para ações de fiscalização, caso o pagamento seja recorrente.
Entretanto, o valor que o TFFF deve repassar às florestas não deve fazer frente às atividades predatórias que a conservação precisa combater, na avaliação do engenheiro Tasso Azevedo, um dos principais especialistas brasileiros em políticas de clima e florestas, fundador do MapBiomas e ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro.
"O valor por hectare ficou muito baixo, porque se dimensionou o que vai se pagar baseado no que se imaginou que poderia capturar com o fundo", aponta. Há dois anos, Azevedo apresentou ao governo Lula a versão original da proposta de financiamento da conservação, que mais tarde, com o envolvimento do Banco Mundial e gestores de fundos, viraria o TFFF.
A ideia original, construída por Azevedo junto ao economista Pedro Moura, era de que a indústria petrolífera no mundo se comprometesse a destinar às florestas US$ 1 (R$ 5,35, na cotação atual) para cada barril de petróleo produzido. Com uma demanda atual em torno de 30 bilhões de barris anuais, seria possível prever um pagamento de cerca de US$ 30 (R$ 160) por hectare por ano de floresta tropical conservada, enquanto a proposta final do TFFF prevê apenas US$ 4.
"É muito diferente dizer que quem desmata vai perder US$ 3.000 (R$ 16 mil) ou US$ 400 (R$ 2.140), porque nenhum cultivo agrícola dá US$ 3.000 de retorno por hectare", compara. "Certamente, o valor atual não é suficiente para frear economias que desmatam. É um recurso muito pequeno", conclui.
A dupla Azevedo e Moura tem insistido na sua proposta, chamada Mecanismo para Florestas Tropicais, como um complemento ao TFFF.
"É certo que [o investimento no TFFF] vai funcionar na escala em que estão imaginando? Não", afirma Moura. Especialista em mecanismos de mercado para conservação, ele dirige a empresa BVRio.
"O maior risco hoje não é se o mecanismo vai gerar recursos que vão para a floresta, mas se vai ser possível captar os US$ 125 bilhões (R$ 669 bi) iniciais. Esse é o grande 'se' neste momento", avalia.
Para o secretário de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda, João Resende, o desafio de captação se deve à mudança de mentalidade implicada no mecanismo.
"A grande sacada é como a gente consegue fazer os países pararem de entender como despesa e entender como investimento. O Brasil conseguiu colocar US$ 1 bilhão porque entende como investimento", afirma.
O modelo também tem motivado críticas do pesquisador Max Alexander Matthey, cuja tese de doutorado propõe alternativas para o financiamento climático. Seu orientador, o professor Aidan Hollis, da Universidade de Calgary (Canadá), também critica o projeto.
De acordo com a dupla, o mecanismo subestima os riscos do mercado financeiro e deixa as florestas em último lugar, ao prever que os pagamentos serão feitos de forma cascateada: primeiro se remunera os investidores privados, depois os países e, finalmente, os detentores de florestas conservadas.
Em resposta à crítica, Resende admite que a ordem de prioridade pode deixar as florestas sem remuneração em momentos de instabilidade do sistema financeiro. "Vai ter momentos de suspensão do pagamento às florestas -cerca de 5% das vezes, segundo nossa simulação. Mas é melhor do que o que existe hoje, que é nada", rebate.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/11/florestas-ficam-por-ultimo-e-recebem-pouco-afirmam-criticos-de-fundo-de-lula.shtml
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